domingo, 1 de agosto de 2010

Text's House CAFE


















Gatos me mordam!

Nero hoje me acordou com mordidas nos pés! Insuportável... Felino maldito, este. Bola de pêlos inútil, coisa estranha! É tão macabro que... Já não mia há algum tempo. Nem sequer toca na ração. Ainda me vem miando junto ao rosto com bafo de carne, carne crua. Pensando bem, tenho que tomar mais cuidado com as comidas na geladeira. Ando muito esquecida, e ocupada, então posso ter deixado algum bife na pia.

Escuto agora, pela vitrola, as músicas de meu tempo. Ai como eram belas! O bom e velho tango, que libera calor aos ouvidos e o embebedado cheiro de vinho às narinas! Enquanto isso, eu espero a água do chá ficar pronta.

Uma boa xícara de camomila e torradas bem quentinhas pela manhã já me deixam satisfeita até o meio-dia. É que no intervalo de seis até as doze, me coloco à difícil tarefa de manter a ordem e o bom andamento do edifício em que sou síndica. Coordeno tudo sem sair de minha sacada. Minha poltrona já se acostumou em ficar por lá, me esperando chegar arrastando as pantufas, e me sentar sobre seu macio leito, apoiando as pernas na mesinha da frente, que também sustenta a xícara de chá e o prato de torradas.

Agora já vejo todo o estabelecimento em que me refiro, que nem é tão grande, esta bodega! Eis que cortinas se abrem, luzes se acendem – Já posso ver uma janela aberta. Um apartamento que acorda. É dia! Que comece o espetáculo das insanidades humanas.

Tams diz: Mas... e o resto?
Léo responde: O resto é o resto. O resto você já conhece. 
Tams rebate: conheço?
Léo comprova: Sim. Vê todo dia nos noticiários. Insanidades humanas.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Text's House CAFE














Sobre Sardas e Estrelas


Era uma vez, ou duas, certa menina que contava estrelas. 
Dizem que para cada estrela que contava, uma pequena sarda aparecia em suas bochechas. Rosadas as estrelas. Brilhantes as bochechas.

                        *

Eis ali a Coroa Austral, por ali está o Cruzeiro do Sul, e eu não podia me esquecer da Andrômeda - ia contabilizando a garotinha, enquanto sardas e mais sardinhas brotavam em seu rosto.
O mais exímio dos navegadores ainda se orienta pelo céu, como se estrelas fossem setas. Setas que indicam algo, que indicam alguém, que indicam algo a alguém, alguém que pensa em alguém, que indicam o nada, o infinito. E por mais que se fizesse redondinha, as bochechas acabavam por ter um fim.

                         *  

Seu pai, que se encontrava em alto-mar, cruzando o Índico numa espécie de fusquinha marítimo, abria uma caixinha com as coisas da filha. Ao ver sua foto, já sabia para qual vento seguir, para quais águas trilhar.

                         *      

Estrelas para se contar, sardas ao léu.
Já me confunde saber se o céu está nas bochechas, ou se as sardas estão no céu.



Para Amanda, que outrora acordou com sardas.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Text's House CAFE


De como nascem Balsaminas
ou O Homem que enterrou seu Coração

O canteiro se esbaldava em água, era noite de chuva, chuva fina, e ainda dava para ver a lua. Gorda e iluminada, ela servia de inspiração para um poeta da casa vizinha, e de estímulo a um casal do final da rua. Mas para o canteiro, a lua servia apenas de espectadora do triste acontecimento que a fina chuva antecedia.
A porta dos fundos se abriu vagarosamente, criando um curto espaço de luz no breu da grama. Um homem, quarentão, vinha saindo de pijamas, e alguma coisa na mão direita.
É ele. – cochichou um grilo, dizendo a uma centopéia que aquele era o homem. O tal homem, que havia brigado com a esposa depois de saber da traição. Uma barata, que vinha frenética dos aposentos da casa, chegou fofocando aos companheiros que o homem havia matado sua esposa. “E o pior: arrancou seu coração!”.
A coruja, sábia, que observava tudo de cima, já notara a ambigüidade na frase da barata. Afinal de contas, qual coração teria sido arrancado? Cansada de se perguntar, percebeu que era melhor voltar a enxugar as penas, que ainda estavam molhadas pela chuva.
O homem vinha, fatigado, andando na direção de um espaço de terra no grande canteiro. O coração, ainda na mão direita, vinha pingando sangue pelos caminhos do homem, como se despertasse um pouco de vida, ou tristeza, no gramado. Sem se lembrar de não sujar o pijama, ajoelhou-se por ali mesmo e se pôs a sentir as águas que escorriam e corriam pelo seu corpo, que já não sabia se eram as lágrimas ou se era a chuva que voltava.
Pouco se importando, empurrou para lá o grilo, a centopéia e a barata, e começou a cavar. Como se fosse semente, colocou o coração, ainda batendo, na rasa cova. E, sem saber, enterrava ali seu próprio coração. Já não importa se pertencia à mulher amada, já morta, ou se era seu. A essa altura, já eram quase a mesma coisa. Já era suportável viver sem ele.
Daí a semanas, noutra noite chuvosa, brotou uma balsamina*.


* Erva símbolo do amor infeliz.

terça-feira, 9 de março de 2010

Text's House CAFE



A história de Um Segundo


Um sino badala. Cachorros latem incessantemente em suas casas. Nova música toca no rádio. Uma vela é acesa. Um perfume é desperdiçado. Uma criança chora. Moedas caem no chão. Um orgasmo. Um tombo. Um telefone que toca. A música na igreja. Um espirro. Um novo prato. Um brinde. Dois soluços. Um pano de mesa manchado. A luz que acaba. Um pingo de chuva. Um pingo de esperança. Um pingo. Uma conta que chega pelo correio. A notícia de morte que vem pelo e-mail. A estrela que se apaga. O lanche no chão. O leite derramado. O tiro. Uma nova invenção. Minuto de pecado. Uma esmola. Um NÃO. Um nariz que escorre. Um homem de porre. Uma batida de aplauso. Um batuque de pandeiro. A pulga que morre. Barulho do sapo. Barulho do grilo. O engraxar do sapato. Mais um novo filho. Um acidente. A lágrima desce.
Num piscar de olhos.


segunda-feira, 8 de março de 2010

Text's House CAFE

 
 Outonos

Hora do sol se pôr, dando um efeito de sépia que se estendia por toda a minha rua. Uma folha seca acabava de cair, por causa do impacto de um sabiá que vinha, cantando, pousar no galho. Início de outono.
Eu havia chegado da minha viagem semanal, já com as costas cansadas de carregar a mochila que desta vez trazia um peso a mais: um bibelô. Entrei pela sala, que, como de costume, tinha a televisão ligada, e fui para o quarto de mamãe.
Dormia como uma pedra. Aliás, dormir era uma das coisas que ela mais fazia nos últimos dias. A doença recém descoberta a deixava muito cansada.
- Mamãe?
Ela abriu os olhos, meio confusa, mas logo percebeu que era eu que acabava de chegar. Deu-me um abraço, aqueles de mãe, e falou das saudades. Eu só tinha ficado dois dias fora de casa.
Tirei o bibelô da mochila e presenteei mamãe. Comprei-o num mercadinho da cidadela, simplesmente por ter visto naquele pequeno objeto, um pouco “maternal”. Ela ficou bem feliz, e falou-me que já teve um daqueles tempos atrás, mas que por um acidente doméstico, havia se quebrado!
Ela pegou a miniatura e foi levando para o armário da sala. Um armário de madeira bem velho, mas conservado, que mamãe insistia em mantê-lo na sala. Tinha um compartimento com duas prateleiras que eram protegidas por duas portas decoradas, trancadas à chave. Nunca havia me perguntado o que havia ali dentro! Foi quando vi uma um infinito de objetos.
Miniaturas de todos os tipos, pequenos objetos de decoração, bibelôs, lembranças de viagens... Tudo dentro daquele armário. Naquele instante, me vieram à cabeça as lembranças dos objetos, que eu já não via a um tempo devido ao fato de estarem trancados no móvel.
- E por qual motivo a senhora deixa tudo guardado?
E ela me respondeu em meio a pausas e tosses:
- Cada um destes objetos me remete a um momento de minha vida. Não sei se chega a ser materialismo, mas eles são muito importantes para ficarem decorando a casa! Prefiro guardá-los aqui, como boas recordações. Recordações, umas nem tão boas, mas, recordações. Cada vez que venho abri-lo, é como se o armário dispusesse de todas as emoções que um dia eu já vivi, e é só pegar em um destes mimos que sinto ressurgirem velhas emoções. Olhe esta rosa de porcelana. É da época que me casei com teu pai. E esta corujinha! Lembro-me de ter ganhado de um professor, ainda na época do ginásio... Símbolo da sabedoria. Está vendo este bebezinho de gesso? Foi do seu aniversário de um ano. Quantas saudades... Todos foram momentos únicos para mim.
Ela fechou o armário, me agradeceu pelo presente mais uma vez, e passou pelo corredor, para voltar ao quarto. Ainda estava com um pouco de sono. Acho que devido aos problemas de saúde ela se refugiava ao armário sempre que quisesse reavivar algumas emoções que, naquelas condições, estavam por ser mortas. Mas em seu olhar melancólico, ainda havia salpicos de esperança.
- Mas, mamãe, por qual motivo você resolveu guardar este simples bibelô que eu trouxe dos campos?
Ela se virou para mim e disse, com ar um tanto eufórico:
- Mais um outono!

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Pop Design - 'A Palavra'
























Criado por Léo Coessens