sexta-feira, 30 de julho de 2010

Text's House CAFE














Sobre Sardas e Estrelas


Era uma vez, ou duas, certa menina que contava estrelas. 
Dizem que para cada estrela que contava, uma pequena sarda aparecia em suas bochechas. Rosadas as estrelas. Brilhantes as bochechas.

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Eis ali a Coroa Austral, por ali está o Cruzeiro do Sul, e eu não podia me esquecer da Andrômeda - ia contabilizando a garotinha, enquanto sardas e mais sardinhas brotavam em seu rosto.
O mais exímio dos navegadores ainda se orienta pelo céu, como se estrelas fossem setas. Setas que indicam algo, que indicam alguém, que indicam algo a alguém, alguém que pensa em alguém, que indicam o nada, o infinito. E por mais que se fizesse redondinha, as bochechas acabavam por ter um fim.

                         *  

Seu pai, que se encontrava em alto-mar, cruzando o Índico numa espécie de fusquinha marítimo, abria uma caixinha com as coisas da filha. Ao ver sua foto, já sabia para qual vento seguir, para quais águas trilhar.

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Estrelas para se contar, sardas ao léu.
Já me confunde saber se o céu está nas bochechas, ou se as sardas estão no céu.



Para Amanda, que outrora acordou com sardas.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Text's House CAFE


De como nascem Balsaminas
ou O Homem que enterrou seu Coração

O canteiro se esbaldava em água, era noite de chuva, chuva fina, e ainda dava para ver a lua. Gorda e iluminada, ela servia de inspiração para um poeta da casa vizinha, e de estímulo a um casal do final da rua. Mas para o canteiro, a lua servia apenas de espectadora do triste acontecimento que a fina chuva antecedia.
A porta dos fundos se abriu vagarosamente, criando um curto espaço de luz no breu da grama. Um homem, quarentão, vinha saindo de pijamas, e alguma coisa na mão direita.
É ele. – cochichou um grilo, dizendo a uma centopéia que aquele era o homem. O tal homem, que havia brigado com a esposa depois de saber da traição. Uma barata, que vinha frenética dos aposentos da casa, chegou fofocando aos companheiros que o homem havia matado sua esposa. “E o pior: arrancou seu coração!”.
A coruja, sábia, que observava tudo de cima, já notara a ambigüidade na frase da barata. Afinal de contas, qual coração teria sido arrancado? Cansada de se perguntar, percebeu que era melhor voltar a enxugar as penas, que ainda estavam molhadas pela chuva.
O homem vinha, fatigado, andando na direção de um espaço de terra no grande canteiro. O coração, ainda na mão direita, vinha pingando sangue pelos caminhos do homem, como se despertasse um pouco de vida, ou tristeza, no gramado. Sem se lembrar de não sujar o pijama, ajoelhou-se por ali mesmo e se pôs a sentir as águas que escorriam e corriam pelo seu corpo, que já não sabia se eram as lágrimas ou se era a chuva que voltava.
Pouco se importando, empurrou para lá o grilo, a centopéia e a barata, e começou a cavar. Como se fosse semente, colocou o coração, ainda batendo, na rasa cova. E, sem saber, enterrava ali seu próprio coração. Já não importa se pertencia à mulher amada, já morta, ou se era seu. A essa altura, já eram quase a mesma coisa. Já era suportável viver sem ele.
Daí a semanas, noutra noite chuvosa, brotou uma balsamina*.


* Erva símbolo do amor infeliz.