quarta-feira, 28 de julho de 2010

Text's House CAFE


De como nascem Balsaminas
ou O Homem que enterrou seu Coração

O canteiro se esbaldava em água, era noite de chuva, chuva fina, e ainda dava para ver a lua. Gorda e iluminada, ela servia de inspiração para um poeta da casa vizinha, e de estímulo a um casal do final da rua. Mas para o canteiro, a lua servia apenas de espectadora do triste acontecimento que a fina chuva antecedia.
A porta dos fundos se abriu vagarosamente, criando um curto espaço de luz no breu da grama. Um homem, quarentão, vinha saindo de pijamas, e alguma coisa na mão direita.
É ele. – cochichou um grilo, dizendo a uma centopéia que aquele era o homem. O tal homem, que havia brigado com a esposa depois de saber da traição. Uma barata, que vinha frenética dos aposentos da casa, chegou fofocando aos companheiros que o homem havia matado sua esposa. “E o pior: arrancou seu coração!”.
A coruja, sábia, que observava tudo de cima, já notara a ambigüidade na frase da barata. Afinal de contas, qual coração teria sido arrancado? Cansada de se perguntar, percebeu que era melhor voltar a enxugar as penas, que ainda estavam molhadas pela chuva.
O homem vinha, fatigado, andando na direção de um espaço de terra no grande canteiro. O coração, ainda na mão direita, vinha pingando sangue pelos caminhos do homem, como se despertasse um pouco de vida, ou tristeza, no gramado. Sem se lembrar de não sujar o pijama, ajoelhou-se por ali mesmo e se pôs a sentir as águas que escorriam e corriam pelo seu corpo, que já não sabia se eram as lágrimas ou se era a chuva que voltava.
Pouco se importando, empurrou para lá o grilo, a centopéia e a barata, e começou a cavar. Como se fosse semente, colocou o coração, ainda batendo, na rasa cova. E, sem saber, enterrava ali seu próprio coração. Já não importa se pertencia à mulher amada, já morta, ou se era seu. A essa altura, já eram quase a mesma coisa. Já era suportável viver sem ele.
Daí a semanas, noutra noite chuvosa, brotou uma balsamina*.


* Erva símbolo do amor infeliz.

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